A Ace Community Survey Team faz uma pesquisa anual que coleta informações importantes sobre a demografia e experiências dos membros da comunidade ace mundial, criando um conjunto valioso de dados para futuros ativistas e pesquisadores da comunidade.

A de 2021 já está recebendo respostas. Todos, assexuais, alossexuais e indecisos a partir dos 13 anos de idade podem participar. Também é possível pular questões em que você não se sinta confortável para responder.

A pesquisa tem 30 páginas, então é preciso tempo para completá-la.

Formulário em inglês

Tradução do formulário

Esse post será atualizado com as partes principais do resultado dessa pesquisa.



Por Giórgia Neiva

Assexualidade humana é uma orientação sexual definida por falta de atração sexual. Pessoas assexuais não sofrem do mesmo estigma social experimentado pelos(as) LGBTs, mas isso não significa dizer que não há estigmas a serem enfrentados no que se refere à assexualidade, posto que a sociedade em que vivemos sugere que praticar sexo é ser e estar na normalidade.

Aos poucos, esse imperativo de ter vida sexual ativa como sinônimo de saúde e normalidade tem sido questionado pelas ciências psicossociais e biomédicas, sociedade e cultura. Parte desse questionamento se deve aos esforços e às ações politizadas realizadas por assexuais que buscam por meio de fóruns presenciais e online visibilidade para causa e despatologização dessa orientação sexual, especialmente por sofrerem na pele a discriminação e o preconceito provenientes da prerrogativa de abdicarem de práticas sexuais.

Tais esforços politizados por parte de pessoas assexuais coadunam com as iniciativas da Associação de Psiquiatria Americana (APA) em reformular seus próprios conhecimentos oriundos do século passado, isso porque os manuais de Diagnóstico e Estatística da American Psychiatric Association (DSMs) não fornecem escalas e normas definidas, mas, simultaneamente, assumem a priori uma sexualidade normativa como medida comparativa para os seres humanos. 

Nesse sentido, os fóruns online nacionais e internacionais sobre assexualidade ganham fôlego maior porque a causa também chama atenção da mídia hegemônica e alternativa. No Brasil, o debate está em alta, ainda mais agora em que um participante do programa da Rede Globo chamado Big Brother Brasil, em sua 20ª edição, se autoidentificou como assexual. Muitos comentários foram gerados a partir desse programa televisivo e é importante notar que as suposições de que qualquer relacionamento afetivo precisa ter prática sexual são problemáticas e mostra que a linguagem atual para descrever os relacionamentos íntimos é limitante e guiada por argumentos estereotipados.

Os estereótipos endossam a ideia persistente de que desejo sexual é inerente ao ser humano. Podemos perceber, a partir dos comentários gerados sobre o programa BBB, que a maior parte das pessoas que comentam o reality show se empenhou em duvidar se a identidade assexual existe de verdade, se é verdadeira ou falsa a ausência de desejo sexual no humano. Isso mostra que a assexualidade adquire certa visibilidade, mas que ainda há um grande percurso a ser percorrido para desmistificar os preconceitos e estigmas sociais.

De toda maneira, é inegável que a assexualidade encoraja a imaginar outros caminhos de afiliação e arranjos afetivos e familiares. Além disso, o reconhecimento da existência dessa orientação sexual pode servir para questionar a heteronormatividade, que privilegia as relações sexuais contra outras afiliações.



Algumas pessoas quando se descobrem assexuais pensam que nunca conseguirão ter um relacionamento amoroso com alguém devido à sua falta de interesse em sexo. Outros acreditam que casais assexuais são praticamente uma lenda. Então vamos mostrar duas lindas histórias para vocês se animarem a não desistir de buscar sua felicidade.


 Tenho 38 anos, sou divorciada e tenho um filho de 7 anos. Eu sempre fui rotulada como esquisita pela minha família. Mas me "esforcei" bastante para me encaixar. Fui casada por 11 anos e meu filho é fruto desse relacionamento. Era um casamento fadado ao fracasso porque eu nunca o amei e não gostava de ter relações sexuais. Só me descobri demissexual durante a terapia pós-divórcio. Na designação da minha psicóloga, sapiossexual, mais precisamente.


A partir dessa nova nomenclatura, comecei a pesquisar sobre esse assunto no Facebook. Num grupo privado, vi um post sobre um grupo no Whatsapp. Passei a participar. Trocar ideias, de assuntos em geral. Um dos membros me indicou outro grupo. Nesse grupo que conheci meu marido atual que também é demissexual. Não tinha muita pretensão. Eu havia me decidido a abandonar qualquer sonho de relacionamento. Afinal, como eu sempre ouvi: eu era muito fresca, muito exigente etc. Minha "sorte" é que sempre fui muito ocupada com filho, carreira, etc. Então eu conseguia sufocar e mascarar bem o meu lado romântico. Só que, desde a primeira conversa, ele perturbou minha mente. Rolavam afinidades inquestionáveis. Ele me fazia rir. Eu podia ser eu mesma. Não precisava fingir ser meiga e fofa.

As conversas no grupo eram diárias, até que ele me chamou no privado e começamos a conversar mais. Horas a fio de assuntos intermináveis. Até que em outubro conversamos até o amanhecer. Nesse dia, ele me pediu em namoro. Eu aceitei. Ignoramos a distância e ficamos em fazer as coisas acontecerem. Eu moro em Roraima. Ele morava no interior de São Paulo. Em dezembro fui para o Rio de Janeiro passar as férias de fim de ano com a minha família. Ele se programou no trabalho para passar as festas e os fins de semana comigo. Até hoje me lembro do quanto eu me achava louca de pegar um táxi, rodar mais de duas horas até a rodoviária, para ir encontrá-lo. O ônibus dele atrasou e meu desespero só aumentava. Quando eu achei que meu coração ia se acalmar, ele se descompassou quado eu o vi chegando. Tal qual nas fotos, tal qual eu sonhara. Minha família se encantou por ele. Tivemos momentos incríveis. Ele me tirou no amigo oculto de Natal. Fez uma declaração que deixou sem palavras, sem chão.


O pedido de casamento foi feito no dia 26/12/16. Eu aceitei. Mas férias acabaram. E veio a longa espera até abril, quando ele teria 20 dias de férias. Então ele veio para Roraima, conhecer minha mãe, conviver mais com o meu filho. Minha mãe é daquelas pessoas difíceis de se cativar e que dificilmente gostam de alguém. Ela o adora. Meu filho o ama muito. Decidimos nos casar em agosto, quando ele terminaria a faculdade e viria para cá em definitivo. Nosso casamento foi dia 12/08/17."


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Sou do RJ, tenho 31 anos e entendo-me como assexual ginerromântico. Sabia que era diferente desde pequeno, só não conhecia um termo para isso. Tentei namorar com algumas alos, sem sucesso. Achava os relacionamentos amorosos verdadeiros fardos. Por volta de 2010/2011 descobri na internet a assexualidade e me identifiquei de cara. Conheci alguns aces pela internet, mas nenhum pessoalmente, até 2018. Ao navegar em um grupo do Facebook sobre assexualidade vi um post dela. Dei uma resposta simples que a fez me notar: ace cuida de ace. Começamos a conversar pelo chat do Facebook e logo estávamos fazendo chamadas de vídeo, pois precisávamos um do outro. Éramos amigos e demoramos 4 meses e meio até nos encontrarmos. Em junho de 2018 resolvi encontrá-la pessoalmente. Parece clichê, mas ao vê-la não sabia o que dizer, disse apenas um "oi", meio tímido.  Nos divertimos demais no MAM (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro) e ao nos despedirmos beijei-a. No primeiro encontro começamos a namorar e algum tempo depois resolvemos morar juntos. Quase dois anos se passaram e continuamos felizes."

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Sou do RJ, assexual estrita. O conheci numa boate. Eu estava num dia ruim e ele também. Não queria participar de nada e pegação não me interessava. Resolvi ficar sentada num cantinho observando tudo, ele se aproximou resolveu puxar conversa, a princípio pensei que ele estava interessado em mim, mas depois ele demonstrou que só queria bater papo mesmo. A conversa rendeu, rimos muito, no final da noite acabou que trocamos um beijo, mas não trocamos contato porque eu realmente não estava interessada em relacionamentos e queria manter distância de qualquer possibilidade de um.

Cerca de 6 meses depois nos esbarramos em outro evento da região. Novamente conversamos por horas e a conversa foi ótima. Ele pediu outro beijo e eu neguei. Não queria que continuássemos esse tipo de envolvimento. Fiquei com receio dele se afastar, mas para minha surpresa, continuamos papeando, e dessa vez sem cortejos. Dessa vez trocamos contato, pois havíamos conversado sobre envolvimento e ficou claro para ambos que não rolaria nada além de amizade.

O tempo foi passando, continuávamos conversando e o interesse ressurgindo... Acabou que começamos a ficar novamente e quando vi estávamos namorando. E agora?! Eu já havia contado que era assexual e ele não teve nenhuma reação negativa quando contei. Até disse: 'Sou mais ou menos assim também.'. Mas não levei à sério porque muitos alos usam esse discurso para se aproximar de assexuais. O tempo foi passando e como era de se esperar em algum momento precisamos conversar sobre sexo. Expliquei que sexo para mim é indiferente. Ele respondeu que tudo bem. Que apesar de sentir atração, ele não via tanta necessidade de sexo, então não encontraria nenhum problema em ficar sem. Combinamos isso. Ficaríamos sem por um tempo e quando eu me sentisse à vontade a gente faria vez ou outra.

Depois de uns 3 meses de namoro, começo a perceber que ele simplesmente não consegue entender como as pessoas sentem atração primária. Ele só consegue sentir atração quando tem algum vínculo com a pessoa. Sim, ele é demissexual! Eu não acreditei quando descobri, já estávamos namorando e nada disso tinha sido planejado, e perceber que eu estava namorando outro ace foi uma maravilhosa surpresa. Esse relacionamento durou 3 anos e meio, infelizmente acabou, mas foi maravilhoso enquanto durou."



Obs: Nomes foram omitidos e fotos não divulgadas à pedido dos casais.

No nosso site está em destaque a nossa definição de assexualidade, em que "Assexual estrito é a pessoa que não tem interesse na prática sexual com outra pessoa". Porventura, a definição mais utilizada entre as comunidades assexuais é a criada pela AVEN - Asexual Visibility and Education Network (Rede de Educação e Visibilidade Assexual) -, "assexual é a pessoa que não experiencia atração sexual". 

Porque não adotamos a mesma definição da AVEN 

Não achamos que a definição da AVEN está errada, pelo contrário. Mas, percebendo imperfeições nela, tentamos construir a nossa própria definição corrigindo o que acreditávamos ser necessário para um melhor entendimento. 

A atração sexual, considerando o conhecimento comum, pode parecer se restringir ao impulso orgânico que se dá entre pessoas de sexos opostos ou não visando a prática do ato sexual. A psicologia e a psicanálise, por sua vez, com a concordância de outros setores da educação, possuem uma visão mais ampla da atração sexual, a qual abrangeria não apenas o que foi descrito aqui, mas também o contato físico entre pessoas, a vontade de abraçar e ser abraçado, e diversas outras formas de contato interpessoal relacionadas à uma pulsão que ocasiona o prazer. Logo, nesse contexto, a falta de atração sexual não seria a melhor forma de descrever a assexualidade.

Procurando uma definição mais específica, chegamos à já falada "assexual é a pessoa que não tem interesse na prática sexual com outra pessoa". E assim acordamos pois a falta de interesse na prática sexual está mais inclusa na realidade da assexualidade que a falta de atração sexual, pois o assexual pode sentir atração sexual em um entendimento psicanalítico sem sentir interesse pela prática sexual com outra pessoa. E a finalização da definição com "outra pessoa" é também muito importante, pois a masturbação pode ser considerada uma prática sexual, a qual é praticada por muitos assexuais, logo, "com outra pessoa" não exclui a masturbação como prática possível ao assexual. 

Nenhuma definição está totalmente correta?

Tanto a definição da AVEN quanto a nossa, vistas de uma forma literal, podem ser consideradas errôneas, pois, ao dizerem que o assexual não experiencia atração sexual e que não tem interesse pela prática sexual com outra pessoa, estariam excluindo os demissexuais e gray-a, assexuais da área cinza, que podem ter interesse na prática sexual com outrem em situações extremamente específicas. 

Entretanto, o erro das definições se dão apenas pela forma interpretativa utilizada. Em uma interpretação mais ampla, a falta de interesse por relações sexuais pode ser vista de forma relativizada, o que intercala com a ideia de que as orientações sexuais não são totalmente desmembradas, mas sim que possuem várias pontos de conexão, manifestando-se diferentemente de cada pessoa.